segunda-feira, 30 de abril de 2012

Periodização

A PERIODIZAÇÃO LITERÁRIA
- A literatura situa-se forçosamente no devir temporal e no transcurso histórico. As obras literárias, porém, não se inserem no discurso temporal de modo fortuito, nem como uma gigantesca coleção de indivíduos absolutamente alheios uns aos outros.
- É lógico que os historiadores e os estudiosos do fenômeno literário, movidos por autênticas exigências críticas, ou, algumas vezes, por razões meramente didáticas, tenham procurado estabelecer determinadas divisões e batizadas no domínio vastíssimo da literatura.
- Tem de reconhecer-se, todavia, que as tentativas levadas a efeito no campo da periodização literária apresentam, muitas vezes, acentuada heterogeneidade e carência de fundamentação.
- O século é uma unidade estritamente cronológica, cujo início e cujo término não determinam forçosamente a eclosão ou a morte de movimentos artísticos, de estruturas literárias, de idéias estéticas, etc.
- Tão inconsistente como a divisão em séculos da história literária, revela-se a fixação dos períodos literários segundo acontecimentos políticos ou sociais: “literatura do reinado de Luís XIV”, “literatura elisabetana” ou “vitoriana”, etc. Este enfeudamento da história literária à história geral, política ou social – enfeudamento que já durou muitos anos e que ainda persiste –, radical numa concepção viciada do fenômeno literário: este é entendido como uma espécie de epifenômeno dos fatores políticos e sociais, e portanto como um elemento carecente de autonomia e desenvolvimento próprio.
- A atitude nominalista é uma atitude cética que reduz a história literária a um acervo assignificativo, desconhecendo um aspecto essencial da atividade literária: a existência de estruturas genéricas que, sob múltiplos pontos de vista, possibilitam a obra individualizada.
- Paul Valéry, exprimindo este ceticismo, escreveu (Mauvaises pensées) que é impossível pensar seriamente com vocábulos como “classicismo”, “romantismo”, “humanismo” e “realismo”, pois que ninguém mata a sede ou se embriaga com os rótulos das garrafas.
- O ceticismo de uma concepção nominalista dos períodos literários é compreensível, dada a licenciosa utilização que tem sido feita de palavras como “classicismo”, “romantismo”, “realismo”, etc. Quando muitos críticos falam do movimento romântico introduzido por S. Paulo no pensamento grego, ou na textura e na essência românticas da Odisséia, ou quando afirmam que o romantismo “nasceu no jardim do Éden” e que “a serpente foi o primeiro romântico”, é compreensível que um estudioso como o Prof. Arthur Lovejoy escreva que “a palavra romântico chegou a significar tantas coisas que, por si própria, não significa nada. Deixou de realizar a função de um signo verbal”.
- É necessário escolher critérios literários para fundamentar e definir os períodos literários, evitando a intromissão perturbadora de esquemas e classificações originários da política, da sociologia, da religião, etc. O ponto de partida terá de ser a própria realidade histórica da literatura, as doutrinas, as experiências e as obras literárias, para não se tombar, precisamente, no nominalismo ou no metafisicismo.
- Parece-nos que o Prof. René Wellek encontrou o caminho justo, ao definir o período literário como “uma seção de tempo dominada por um sistema de normas, convenções e padrões literários, cuja introdução, difusão, diversificação, integração e desaparecimento podem ser seguidos por nós”. Esta definição apresenta o período literário como uma “categoria histórica” ou como uma “idéia reguladora”, excluindo quer a tendência nominalista, quer a tendência metafísica, pois os caracteres distintivos de cada período estão enraizados na própria realidade literária e são indissociáveis de um determinado processo histórico.
- Assim fundamentada, a periodização literária não se confunde com qualquer espécie de tipologia literária, de teor psicológico ou filosófico, visto que os esquemas tipológicos desconhecem a historicidade dos valores literários.
- Na definição proposta por René Wellek, o período é definido por um “sistema de normas, convenções e padrões literários”, isto é, por uma convergência organizada de elementos, e não por um único elemento. O romantismo, por exemplo, é constituído por uma constelação de traços – hipertrofia do eu, conceito de imaginação criadora, irracionalismo, pessimismo, anseio de evasão, etc, - e não por um único traço.
- Cada um dos elementos formativos da estética romântica pode ter existido anteriormente, isolado ou integrado noutro sistema de valores estéticos, sem que tal fato implique a existência de romantismo nos séculos XVI ou XVII, por exemplo.
- Falar de romantismo a propósito de Eurípedes, Shakespeare, etc., representa um asserto desprovido de sentido histórico e de rigor crítico, mesmo quando se acrescenta ao vocábulo “romantismo” uma expressão como avant la lettre ou outra semelhante.
- A definição de Wellek claramente demonstra que o conceito de período literário não se identifica com uma mera divisão cronológica, pois cada período se define pelo predomínio, e não pela vigência absoluta e exclusivista, de determinados valores.
- Um período não se caracteriza por uma perfeita homogeneidade estilística, mas pela prevalência de um determinado estilo.
- O historiador italiano Eugenio Battisti diz que “a possibilidade de reduzir tudo a poucos e simples conceitos é um mito metodológico, somente fruto da ignorância ou da preguiça”.
- Na França, por exemplo, durante o século XVII, coexistem um estilo barroco e um estilo clássico, com caracteres diferentes e até opostos, mas apresentando freqüentes interferências mútuas.
- O conceito de período literário, tal como o entendemos, implica ainda outra consequência muito importante: os períodos não se sucedem de modo rígido e linear, como se fossem entidades discretas, blocos monolíticos justapostos, mas sucedem-se através de zonas difusas de imbricação e de interpenetração.
- O processo de formação e desenvolvimento de um período literário é vagaroso e complexo, subsistindo em cada período novo, em grau variável, elementos do período anterior. No romantismo persistem elementos neoclássicos, como persistem no realismo elementos românticos.
- A utilização de datas precisas para assinalar o fim de um período e o início de outro, como se tratasse de marcos a separar dois terrenos contíguos, não possui valor crítico, apenas lhe podendo ser atribuída uma simples função de balizagem, como que a indicar um momento particularmente representativo na aparição de um período.
- O estudo da periodização literária exige uma perspectiva comparativa, pois os grandes períodos literários, como a Renascença, o maneirismo, o barroco, o classicismo, o romantismo, etc., não são exclusivos de uma determinada literatura nacional, abrangendo antes as diferentes literaturas européias e americanas, embora não se manifestem em cada uma delas na mesma data e do mesmo modo.

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